Ressignificando a Quarentena

Ressignificando a Quarentena: um projeto de leitura e produção escrita para o período de isolamento social


De onde surgiu o projeto?

O projeto Ressignificando a Quarentena surgiu em um momento de incertezas. As atividades na escola da rede pública em que atuava como professor de Língua Portuguesa recém haviam sido suspensas e toda a comunidade escolar aguardava instruções. A mesma pergunta, de um jeito ou de outro, pairava sobre nós: quando poderemos voltar à escola? Sem protocolo definido, enquanto as opções eram analisadas com cautela, recebemos uma primeira indicação: elaborar atividades para que os e as estudantes pudessem manter seu vínculo com a escola. Ainda sem notícias sobre as condições de acesso das famílias à internet, as primeiras atividades foram elaboradas em caráter opcional. Estávamos, todos e todas, outra vez ressignificando o ensinar e o aprender, dessa vez em meio aos desafios impostos pela pandemia mundial do vírus COVID-19.

Associadas à preocupação sobre o retorno das aulas, outras questões começavam a se fazer presentes. Nesse período de isolamento social, como estar perto dos e das estudantes? O que pedir para que produzam? O que pedir para que leiam?

Vivemos um período de ressignificados, pensei.

E, em seguida: usar a linguagem é ressignificar.

Essa foi uma das coisas que disse aos e às estudantes no início desse ano letivo, ainda antes da pandemia. Em meio à organização de horários e de turmas, preparei aulas iniciais que discutissem língua, linguagem, texto, gênero e discurso. Trabalhei conceitos que nos ajudassem a entender o motivo de aprendermos língua portuguesa na escola. Como parte desse processo, analisamos "O Livro dos Ressignificados", de João Doederlein, e comparamos seus verbetes aos do dicionário. Queria, desde as primeiras semanas, que a galera dos anos finais do Ensino Fundamental entendesse o uso da linguagem como prática social situada. Em meio a conversas sobre as diferenças entre descrições objetivas e subjetivas, exploramos as características definidoras dos gêneros do discurso estudados a partir das perguntas: Quem escreve? O que está escrito? Quem lê? De que forma está escrito? Onde foi escrito? Com que propósito foi escrito? Em que contexto histórico e em que circunstâncias foi escrito?

Além disso, era tempo de conhecer as comunidades de prática em que eu me inseria. Quem são os meus e as minhas estudantes? O que fazem? O que gostam de ler? O que gostam de assistir? O que gostam de fazer? O que querem aprender nas aulas de Língua Portuguesa? O que esperam de 2020? Não esperávamos pandemia, esperávamos várias outras coisas. Como parte das apresentações pessoais aos pares e a mim, pedi para que escrevessem seus próprios ressignificados. A instrução era simples: primeiro, escolham uma palavra que considerem importante. Depois, criem um ressignificado para essa palavra, único por natureza.

Do dicionário e de Doederlein, havíamos estudado "respeito" (achei que era um bom verbete para o início de nossa relação professor-estudantes). Do poeta, também tínhamos lido outros tantos ressignificados. Quando propus a atividade, entrei na onda e esbocei um ressignificado no quadro. Era da palavra "alegria". Dentre outras frases, escrevi: [alegria] é chegar em casa e tirar os tênis e as meias. Mal sabia eu que, menos de um mês depois, "chegar em casa" seria um momento raro, que envolveria máscara, álcool gel, cotovelos abrindo e fechando portas... O isolamento social me fez ressignificar "alegria", e então o projeto surgiu em forma de pergunta: O que o período de isolamento social te faz ressignificar?

Ressignificar a partir da escrita de verbetes, minhas turmas já sabem, pensei. Pois então, que aproveitemos isso! Incerto do acesso dos e das estudantes à internet, apostei na leitura gratuita que @akapoeta nos proporciona em suas redes sociais. A partir da pergunta norteadora, elaborei a proposta e o material para que pudéssemos fazer da escrita um ato de liberdade e trocar experiências poéticas sobre a quarentena. Quando os verbetes começaram a chegar até mim, logo percebi que eles mereciam ganhar novos leitores e leitoras: afinal, quem escreve, escreve para que leiam. Foi então que decidi criar a página @ressignificandoaquarentena no Instagram, para que, seguindo os passos do poeta que nos inspirou, a poesia das autoras e dos autores, que comigo compartilham a construção do conhecimento em Língua Portuguesa, pudesse virar semente. Para que a criação literária pudesse nos unir e nos fortalecer naquele momento.


Como o projeto se desenvolveu?

Primeiro, elaborei o material para enviar aos e às estudantes. Na época, fiz um site simples para que o arquivo pudesse ser acessado de maneira fácil. Relembrei o que havíamos feito em aula, retomei a estrutura dos verbetes produzidos por João Doederlein e organizei as instruções para a produção textual em etapas. Além disso, fiz um breve material de apoio a respeito de substantivos, adjetivos e verbos, considerando a necessidade de conhecer o funcionamento dessas classes de palavras para a construção dos verbetes. Para ter uma ideia do material divulgado, clique aqui.

Com o intuito de superar os desafios impostos pelo isolamento social, também atuei como "editor" dos verbetes. Depois de receber um arquivo com a proposta do projeto e com o material de apoio, cada estudante me enviou seu(s) ressignificado(s) por e-mail. Eu respondi a cada e-mail com uma versão comentada do texto para que juntos, eu, professor-editor, e eles e elas, estudantes-autores(as), chegássemos a uma versão final. Por fim, com a autorização dos autores e das autoras, os verbetes foram sendo publicados na @ressignificandoaquarentena.

O projeto ainda contou com uma etapa que chamei de "Parte 2": a construção de um pôster sobre cada palavra ressignificada. O formato era livre, podia envolver desenho, pintura, colagem... O importante seria soltar a criatividade e, junto da versão escrita da palavra ressignificada, expressar as novas definições de diferentes maneiras. Para essa etapa, os pôsteres de Vital Lordelo, também disponíveis no Instagram (@domvital), serviram de inspiração. Diferentemente dos verbetes, os pôsteres produzidos pelos e pelas estudantes não foram, ainda, tornados públicos.

A realidade das dificuldades de acesso e os problemas diversos que tantas famílias enfrentam durante a pandemia se mostra no número das produções recebidas, inferior à totalidade dos e das estudantes que receberam a proposta. Por outro lado, a potência dos verbetes publicados é evidente e reforça a importância de possibilitar aos e às estudantes o lugar de autoria: sua forma de ver e de (re)construir o mundo tem muito a nos ensinar.

Corre lá na página para ler os verbetes!


Compartilhando propostas pedagógicas

Aprendi, com professoras, professores e colegas, a compartilhar propostas. Aproveitei a página do Instagram que eu já havia criado, então, para fazer um convite: Quer escrever seus verbetes? Quer replicar o projeto com suas turmas? Então vem cá que eu te conto o que eu fiz. A proposta ganhou asas e foi replicada, ganhou novas versões, mais ou menos semelhantes, de modo que tantas outras pessoas pudessem criar seus verbetes (estudantes do Ensino Fundamental e Médio, da rede pública e da rede privada).

Para dar uma olhada nas propostas espalhadas por aí, visite as páginas @literatura.na.escola, @ninhodeleitores e @quantas_paginas. E, claro, não deixe de conhecer a obra de @akapoeta, que inspirou esse projeto: seu olhar para o mundo aquece nossos corações.


Publicação: 08/08/2020.

Atualização: 13/05/2022.